Ola!

"A felicidade não passa de um sonho, e a dor é real... Há oitenta anos que o sinto. Quanto a isso, não posso fazer outra coisa senão me resignar, e dizer que as moscas nasceram para serem comidas pelas aranhas e os homens para serem devorados pelo pesar."(Schopenhauer)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Insomnia



Um andarilho cruza a noite sem demorar,
conta os passos pela fronte, rara feito ar.
Um andarilho olha as esquinas,
Como se tentasse se equilibrar na mesma noite,
Que cai das horas a madrugar.
É frio que dista, é sereno que alardeia proteção,
Tendo medo que sejas sempre noites,
E só desejo, sem matéria, sem coração.
Desejo que encontre seu pernoite,
Que não bares, latrinas nem vícios,
Esteja pronto como a saudade que quer se achegar.
Um, dois, três passos...
Onde vais caminhante sem eira nem berço?
- “vou onde o pensamento de meu amor me levar...”

(Cléber Seagal)

O Dama e o Prestidigitador


Estava olhando a campina,
E na campina vi total liberdade.
O balanço e remanso pleno do vento,
A espera da tarde.
Poderia eu maquiar o que vês,
Sem as imagens que ilusiono-me,
Meu amor, minhas vistas são estas margens,
Sobremaneiramente acode-me,
Táctil lembrança só tua,
Nem vi mágica tua de quereres,
Que saudades me leve tanto,
O sol de basilares sem sombras nem esgueiros...
Só a rama silvestre e campins-santo.
Teus cabelos são estas paragens,
Onde brindam meus olhos conselheiros,
São de negro torpor decaindo nos ombros,
É todo amor, soltos para os pegar em mãos destarte;
Cabelos, beleza e flor.
Espero a passagem da tarde como quem espera,
Divina lembrança tua, e a natureza assemelha teu corpo nu.

(Cléber Seagal)

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Palpitação



Acordo tendo em vista um sonhar, mais longe, um desejar como eu te veria...
Se a caneta toca fácil o papel, como meus olhos lhe tocam, somos um amanhecer,
O dia transcorrido lúcido parece agir sem a gente, mais por teimosia, do que ser,
De contar corroboro desespero, de pintar pensamentos em elo, que se arde,
Como uma fornalha sempre acesa, o sentimento é luz que não cessa,
Eu lastimo, se lhe olho muito um portrait tão santo, mas também tocar não posso,
Sua presença na minha, tão reciproca ideia, uma sentimentalismo tão nosso,
Será que eu deveria querer mais do que tanto, o cabe mais além das horas no dia?
É, portanto na noite que não se cabem essas horas, pois falta tenho em desespero,
Um arremeto de quem sente o frio por demais sobrar; tão seu este meu zelo,
Se de tempos em tempos espero, como casulo, uma primavera sua a me libertar,
A ver espreitar sobre a janela, o nascer do dia, como nasce esta palpitação em alento,
Desassossego me fala e interrogas; por onde andarás a quem sentes, por onde tu pensarás?
Entre dormir e acordar meu alimento; é mesmo a espreita de querer-te amar.

(Cléber Seagal)

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Anjo caído



Quem levou teu coração,
Doce criança?
Sem mais lhe poupou infância,
E arrimou-te em fardos imensos,
Me desanimou,

Te pertencerá o futuro de Ninfa,
Ou ainda de Narciso,
Indumentária do perplexo,

Sem voz o cantor calou,
Sem os pés, as pernas descansaram,
E o peito sem sentimento para ser lido,
Desencantou,

Doce pensar a se pintar n’aura de anjos,
Meu despertar é lhe antever,
Sem lágrimas, sem lastimas,
Minhas mãos a te socorrer,

Minhas orações cautelosas,
Lembrarão que te lembro,
Mas o tempo a ti constatou,
Que o homem às vezes ora,

Às vezes ora sem sentimento;
Abraça sem amor,
Pensa sem racionalizar,
E pede sem precisar,

Não, meu bem, se assim te digo,
Não és homem quem não vê,
Como assim te vejo,
Sozinha, sem amparo,
A ver a vida como um gargalo,
A se comprometer,

Tristeza dos anjos daqui,
Não te conhecer,
Parecem incautos,
Feitos de barro a se refazer.

(Cléber Seagal)



Às vezes



Uma voz soa rareando,
No deserto sem fronteira,
Falta o canto, esperando,
Das vidas minhas; trincheira,

A sua voz escuto longe,
Insípido que sou de um monge,
Quase nunca fui assim,
Eu, sempre mudo de sim,
Conduzo-me dalém de si,

Ah isolamento, este me ri,
Neste areal, todos os pensamentos,
Sentado na areia, já ausculto,
Todas as crenças em sentimentos,

Reproduzindo ainda culto,
De que semeio no vento,
Do que nunca fui, nem vivi,
Um pleno tempo de isolamento,

Perdi-me nos outros, aos poucos,
Sem materializar livre gozo,
Minha voz de atributo de roucos,
No silencio a se suplantar em insosso,

Ás vezes uma voz de dama,
Senta ao ouvido e me chama,
Uma reprimenda sela o choro,
De um amor, quem sabe improbo,

Uma figura criada dela,
Uma ideia formada nela,
E a alma não se abstém,
Chora fácil o que não convém.

(Cléber Seagal)

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O sujeito negado

Tenho os sonhos do mundo, 
E um desgosto tremendo, 
Mais profundo do inculto, 
Que desfaz meus desejos,

As ideologias me batem a porta, 

Como as faces mortas no cotidiano,
Mas são passagens a lugar nenhum,
Iguais a escrita dum velho Sartre;

Barulho de passos que desacordam
Corroboram duvidas humanas,
Me vejo a insanas horas de demiurgico,
Deus do submundo,
A contar de horas...

Vivo a circundar leituras,
A discursar tessituras táteis,
Entretanto não é o material obra,
Não é o essencial palavras,
Que se Busca levantar totens,

Meu  mundo é metafísico,
A altura do que o humano destoa,
A alma a quem quer parece,
E o mundano in dúbio soa,
Sufocado a absurdo patafísico,

Sem destino unânime cárcere,
É o insistir dos descaminhos,
Homem de centro conjectura,
Humano sem alma de mártir, 
E lograr êxito sem destinos,

Todos temos para si, usura,
Do que lhe é visto alheio,
Há tantos mundos como falsidades,
E aos outros tarefa do meio;
A sujeição é idem as verdades.


(Cléber Seagal)

Belém



Quem consolará Raquel?
Deste gemido choro,
Deste quebramento insano,
Réprobo,

Quem aliviará seu cansaço,
De afago que um infante lhe nutriu,
Não há mais Ramá,
Mas há lágrimas em poço,
Sua voz de mãe se gastará,

Não, não se viu noites de escuro,
Enquanto estrelas explodiam,
E os muros desencantam,
Choram mães em surdo,

Porque há distancias entre Deus,
E os homens que despraticam ao léu,
Inconstâncias para voz que grita no deserto,
E a verdade divina humanizada é rara,
Morte a céu aberto,

Deus não está aqui, nunca esteve,
Nem na lança ou espadão,
Em armas que disparam,
Porque não na mão leve?

A matriarca não entende,
Nem Raquel deveria,
Pior o homem sobre o homem,
Sobrevive e desentende.

(Cléber Seagal)