Ola!

"A felicidade não passa de um sonho, e a dor é real... Há oitenta anos que o sinto. Quanto a isso, não posso fazer outra coisa senão me resignar, e dizer que as moscas nasceram para serem comidas pelas aranhas e os homens para serem devorados pelo pesar."(Schopenhauer)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Casa de Boneca

Não era habitual, mas acordou cedo naquele dia, e para uma pessoa que trabalha tanto e que nunca pede um tempo para si, tornou-se sua. Tomou uma escolha diferente do que suporíamos, e poderia ser qualquer dia de domingo, segundas ou terças que fosse, não iria trabalhar.  O importante é que aquele dia a ela pertencia. Livrou-se das formalidades, deixou a maquilagem de lado, o escritório, livros, desligou também o telefone (e por isso não nos falamos até a noite), e tudo o quanto mais lhe prendesse ao palpável. 

Durante a manhã andou pelo sitio de baby-doll florido, pés descalços, cabelos soltos e ar libertador; onde o sol lhe faltava o céu cobria. A relva e os ventos tomavam proporções completas no busto de donzela, na tarde escreveu o que quis e o que não quis na antiga agenda do colegial, poemas, versos soltos só para ela entender e o mundo estava azul da cor de seus olhos, embora o seu caractere humano assemelha-se ao finito, todo o universo circunscrito tornava-se infindo para quem ama.

Com exceção daquele dia, já que ela passou por mim em sobressalto, falávamos-nos sempre e à tardinha no parque, e não reconheceria tanta alegria pós perca de um grande amor. Não era sentimento de pai e mãe, pois esse luxo ao qual a grande maioria tem é renegado pelos que não se reconhecem, feito prole feroz e mal agradecida. Nós somos órfãos, recebi ela como minha irmã em vida; minha família, por isso eramos sós entre parentes distantes, e de nossos amigos nem posso contar tantas as alegrias, mas Deus  deu a ela um coração, e isso lhe bastava pra completar nosso mundo, e olha que ela tem consigo tanta introspecção a respeito da vida, o que schoupenhauer e qualquer divindade não explicavam ela buscava dentro e si mesma. Estava viúva há dois anos, sei da pessoa que ele foi para ela, mas ele também não a queria triste, sofrega, e que por um tempo preferiu ajudar os outros, e nisto sentia-se feliz. Ela se perdeu por um tempo em consciência, mas estava atenta, e a vida é muito mais do que a morte pode ser.

A felicidade é peça de momento, e quão necessário é para nós construí-la interminavelmente, passo a passo, dia a dia, se não como aceitaríamos os pesares do mundo? Não poderíamos fugir da realidade imposta pelo tempo, essa carga de pressões não pode ser carregada sozinha, como poderíamos nos ver daqui a dez anos, ou quem sabe amanhã? Só temos o agora já que tudo mais à Deus pertence, minha maninha estava construindo um castelo inteirinho sobre alicerce de pedra, mas com vista para o mundo todo. Afinal ela pensou sempre em todos nós como amigos, e eu sugeri aos demais que ela mereceria mais do que aquele dia; Amália, irmã amada.

A noite à aguardava tanto como nós, quando a encontrei já em casa, estava como quem espera, vislumbrando estrelas no terraço e de braços cruzados. Submissa à penumbra, se deixou elevar numa palavra de gesto e carisma do sincero elogio que a fiz - Que linda, nem parece minha irmã, - Sé? É você? Chamando-me pelo apelido e só o fazia quando estava bem, disse-me que as estrelas estavam todas no lugar, pois embora a terra girasse, essas luzes ficavam sempre avizinhadas das outras, e nós não conseguimos aprender com elas o nosso lugar no universo, embora o espaço seja de escuridão. Eu reconheci que o mundo estava repleto de dificuldades e isso não mudaria nossa amizade por isso existimos para ambos, e que cruzei a cidade em busca do que tanto velo de família. Não satisfeita ela perguntou-me se não era eu o mesmo de sempre? respondi dizendo que tinha certeza de que não obstante dela eu sou uma dessas estrelas de que tanto falou, e desconversei para não falar também no seu aniversario, perguntei ainda: - onde esteve durante o dia? Ela simplesmente baixou a cabeça e disse: - me procurando. Penso ter entendido o que ela quis dizer, eu sorri tímido com ela, mas apurei aquele momento tentando explica-la por que vim.

O golpe que eu dei em sua consciência quando falei do meu casamento com Verônica a absteve de muitas palavras, por eu ser seu irmão mais velho, e pela primeira vez ela poder discordar como uma mãe  do fator repentino, mas sei que estava preocupada com o fato deu não me lembrar do dia dela; li isto nos seus olhos, já que verônica sempre fora sua amiga de infância, e Amália fez questão de contribuir com nossa união amorosa. Então as atenções estavam divididas, e ela manteve um único orgulho de aceitar dizendo por fim... - Vou me arrumar Sérgio. 

Quando a deixei no lugar da festa para me arrumar senti com pesar seu pensamento, também estava tudo apertado por dentro comigo, mas todas as alegrias seriam mais delas do que todo dia o foram, e era preciso provocar-lhe hesitação, abstração de causa e irromper do mistério, os caprichos da cerimonia alimentariam as ansiedades. De longe umas pessoas me chamavam dizendo da hora e me voltei às preparações, nunca fui assíduo de surpresas; falar o que sinto, penso ser melhor o demonstrar.

Ela sentou-se a mesa com a classe que lhe convinha do momento, apertou a mão ao peito esperançosa de que lhe dariam parabéns, afinal todos os convivas eram seus amigos, seria uma formalidade tão comum a quem se ama. Estranhou quando da frialdade falavam-lhe por monossílabos, olhares distantes... Foi quando entendeu que se sentia só mesmo cercada de uma multidão que alegre comemorava tantas coisas... Menos o dia dela. Não queria presentes, apenas queria ser lembrada como um alguém na vida que morreria por seus amigos. Talvez, se ele estivesse aqui seria diferente pensou, o jeito de ele falar e a tocar trazia-lhe a confiança que todo cavalheiro amante propicia. E ela chorou amargamente mais um outono sem o seu amado.

Desejou não mais viver, pois a vida fora injusta com ela quando dela tirou o amor de sua vida, e agora estava tomando a atenção de seus amigos. Era casamento de uma amiga que coincidira propositadamente com seu aniversario, e os olhos de todos miraram nos seus, surgiram brilhos e de repente todos a agraciaram e a beijaram como uma heroína dos seus mundos, que salvaguarda sentimentos, aspirações; quando a dor chega perto o ombro conforta, logo ela que encoraja e alumia tantos sonhos... Quantos presentes ela recebeu naquela noite entre um casamento de amiga e aniversario seu. Na verdade todos os presentes que foram dados para ela de nada equivaleriam ao presente que ela é para todos nós. 
 
Quando as cortinas se abriram gritei ainda procurando seu abraço, que por ironia tanto abraço ela me procurou desde pequena e entre muitos do seu derredor não aguentei, chorando eu disse: - te amo Amália.
(Cléber Segal)

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