Ola!

"A felicidade não passa de um sonho, e a dor é real... Há oitenta anos que o sinto. Quanto a isso, não posso fazer outra coisa senão me resignar, e dizer que as moscas nasceram para serem comidas pelas aranhas e os homens para serem devorados pelo pesar."(Schopenhauer)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Infância

   Uma vez divagando sobre infância, depois de ver algumas outras crianças a brincar pelo terreiro me reti a esta idade, e lembrei, mais do que de necessidade de ser. Na verdade eu queria tanto ser pai, creio que a paternidade assente as benignidades que completam a existência, pois embora o homem não seja eterno finda-se numa semente do que plantou em vida, do que propriamente escreveu ou falou, mesmo que esta prole seja comparada ao nascimento de um novo ser. Copiosamente me fiz essa pergunta algumas vezes, sem saber que a resposta já a tinha comigo, de certo hesitei muito do que não conheci, e ainda fui áspero, incontrolável e fútil mui vezes, prova de minha complacência com a idade, digamos, esta explosão hormonal que a muitos afronta de certa juventude, me sentia dono do mundo e o mundo era só um brinquedo antes admirado de meu quintal. A gente acredita e menospreza decisões tão fáceis como se fossem comuns, na verdade as circunstancias nunca são as mesmas, e claro paga-se pelo mal feito. Noto que minha infância até amadureceu minha adolescência e quando cheguei a esta media idade senti pena do meu passado vivido.
    Bem, eu quis ser melhor, mas não me esforcei por onde, digamos, dei um trabalho danado como falam aqui no nordeste, e tudo que aprendi foi meio que atrasado; aos trancos e por complicado demais. Talvez ter suportado a dor mais do que de repente, e reconhecer feito tudo isso me valeu superações. Aprendi observando meu cotidiano, acho que uma criança se reconhece noutra quando necessário, não serão precisas as palavras quando os esforços de outros te aconselham.
    Lembro-me que quando eu tinha sete anos e notava minha irmã, era de consolar-me a única imagem familiar que eu tinha; nossa avó cuidou-nos com esmero, mas eu, não sei se por menor maviosidade própria ou imperícia infantil teimava em atirar dos gatos, bater nas aves e pronunciar indecências. Acredito que naquela época eu já ouvia bastante de radio e TVs não eram incomuns, minha sabedoria se iniciava pelos estalados de chinelos nas minhas costas, de seguidas vezes, porque eu já o reconhecia nos pisares de vovó. Por outro lado os livros de meu avô espreitavam por mim, mas disso só pude reparar quando descobri anos depois que precisava aprender a ler para trabalhar, e na época Amália já tinha seus cinco anos, minha avozinha via nela o que penso de até hoje; um paraiso, aprisco ou santa bendita. Não sendo difícil de explicar é que esta a ajudava na faina caseira e eu dava-lhe trabalhos de canseira. Não me bastando judiar de uns bichos ao quintal corri a cozinha, e minha nona me repreendia como não poderia ser diferente, aquietei-me aos choros, quando vindo já do quarto e esfregando os olhos após um cochilo da tarde eu via minha irmã a desatar pela casa, ela havia atirado o brinquedo de pano pela cama, a segui com os olhos todos os gestos. Minha avó no começo tentava afastá-la de ingênua premissa, mas seu carisma e esforço de criança animou a anciã. A garota para equivaler a altura da pia afastava uma caixa de madeira com esforços e dela se punha a subir, acompanhava a faxina silenciosa de como lavar os pratos e secá-los, e ensaboava as mãos nos utensílios diversos, minha avó ria com tudo aquilo explicando com amor próprios. Eu não via sentido disso, eu pensava ser esforço inútil, quando ela poderia ter tomado o tempo com suas brincadeiras de criança, enquanto eu via a boneca de pano dela sozinha sobre a cama. Minha irmã trazia desde pequena traços de maturidade, e só mais a frente introspecto percebi.
    Já era tardinha, e o sol alaranjava todo o firmamento. Minha vovó aos birros que montavam desenhos em pano, e Amália compassiva a acompanhava de curiosa, e a agulha de fiadeira tecia a peça tomando desenhos mirabolantes num proceder magico das cores das linhas, onde se formavam broqueis de rosas e de palavras em tons claro, num prosaico enternecedor.  A menina laboriosa não despregava de nossa parentela como quem adivinhara o futuro de nunca sermos eternos, eu como observador notei a prudência das horas, e o sitio arejava-se de frescor dos ventos litorâneos, pareciam concordar com a sutileza nobre da natureza, as criações apascentavam-se aos montes no entorno do sitio, pois a mata agreste rodeava o local, a noite chamava-nos.
    Não fui indiferente a noturna, porque ela me protegia tanto quanto minha avó, que da varanda nos contava estórias de tempos passados, e uma mão acalentava minha fronte, enquanto da minha irmã a outra descia. Nossos olhares cabiam ao céu rico de estrelas, que aludem a sorte de se morar longe da cidade, propriamente a cidade mata muitos sonhos de infância. O natural seria que acompanhássemos a natureza como no principio todos os seres o fazem, de certo que hoje se aprende forçosamente a conviver com uma problemática que não é da infância, feito o próprio consumismo, drogas e violência, bem que eu queria estar errado.  Ainda vi minha mana fechar os olhos uma vez enquanto nona nos falava, eu tinha certeza que no fundo, como eu, viajava nas contações indianistas, sertanejas e românticas. Amália tinha aos olhares um brilho ínfimo, procedente e vivido, por tempos nem piscava se maravilhando, e não bastando fazia as perguntas e inferências típicas da idade. Eu, quieto e tímido das palavras só concordava aos gestos de ambos, dormi em abraços sentindo o encosto do carinho. E no compasso das horas era deitado na cama, na outra minha irmã já descansava, e eu quase cochilando recebia um terno beijo de carinho e boa noite, respondi da mesma forma... Em contrapartida as danações diárias que me tinham, ainda supuseram um ultimo pensamento em noite; que no dia seguinte a fantasia daquele momento continuaria, por depois e depois... E eu ingenuamente descrente dos males tinha como certo que esse bem nunca acabaria, pois quando o sol me acordasse de reinado astro luzido eu entornaria de lucidez tomando-o com perfume natural, afeitos de abril, das manhãs em orvalho.

(Cléber Seagal)

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